Por Duarte d´Araújo Mata, arquitecto paisagista

Ruben de Carvalho escreveu
um artigo no "Expresso", no dia 17 de Outubro, dedicado inteiramente a desvalorizar, diria melhor, a denegrir o papel da bicicleta no sistema de mobilidade na cidade de Lisboa.
Uma semana depois do acto eleitoral e dos seus resultados em Lisboa, eis que o primeiro artigo de Ruben de Carvalho, sublinha-se aqui o primeiro, é dedicado, imagine-se, à bicicleta!
Agarrado aos preconceitos de sempre em torno das colinas, tece Ruben de Carvalho considerações várias sobre um meio de transporte que, para ele, nada significa (mas "é positivo", atenção) e que considera mesmo "...um erro absoluto pensar ou sequer insinuar que a bicicleta constitui mais do que um paliativo para o problema da mobilidade em Lisboa." Refere ainda que "o transporte por bicicleta nunca foi especialmente utilizado na nossa capital, ao contrário do que sucedeu noutros pontos do país". Diz ainda que a bicicleta "...se desenvolvera mais noutros países da Europa, onde as condições anteriores sempre foram mais favoráveis ao uso urbano da bicicleta".
Eis que, em meia dúzia de linhas, dois erros grosseiros são cometidos:
- O primeiro é assumir que a bicicleta não terá qualquer papel na melhoria da mobilidade.
Puro engano.
Em várias cidades do mundo desenvolvido, a bicicleta é um complemento activo do sistema de transportes, da mesma maneira que o é andar a pé. Anda-se a pé até à estação de metropolitano, se esta estiver até 1Km. E se estiver a 2 ou 3 Km? A bicicleta resolve esse hiato, evitando esperar por um autocarro ou levar o carro até lá.
E nas curtas distâncias? A bicicleta aí é competitiva e é mesmo o mais competitivo de todos os transportes, segundo dados de variadas fontes, designadamente publicações da Comissão Europeia, estimando-se que 30% da população na Área Metropolitana de Lisboa faça, por norma, curtas deslocações.
Assume Ruben de Carvalho que as bicicletas já não são o que foram (são agora mais leves, mais modernas, mais ágeis) e que a cidade cresceu para áreas planálticas.
Pois foi e é exactamente nessas áreas planálticas que a bicicleta sempre foi usada (vejam-se fotos de Benfica nos anos 40!). É nas áreas planálticas, entenda-se, simplificadamente, "do Saldanha para cima", que está concentrada uma parte substancial da população, bem como de inúmeros equipamentos colectivos geradores de tráfego.
E depois, entre planaltos, há vales onde se circula normalmente de bicicleta, alguns deles até ainda potenciais corredores verdes da cidade.
Em muitos casos, ao longo dos cabeços isso também acontece. Do Campo Mártires da Pátria ao Saldanha é praticamente plano. De Campo de Ourique a Campolide, idem.
Há muitas situações em que, de um planalto a outro, de uma linha de cumeada a outra, um viaduto (sim, um viaduto para peões e bicicletas, ou só se podem fazer pontes para carros?) torna imediato o até então impossível. A ponte sobre a Av. Gulbenkian, a futura ponte pedonal e ciclável ligando as Olaias a Chelas e aos Olivais, sempre à mesma cota ou a futura ponte sobre a 2ª circular tornando S. Domingos de Benfica e Telheiras a menos de 10 minutos a pé, são alguns exemplos.
- O segundo erro é o de que na Europa as condições sempre foram mais fáceis. Comparará Ruben de Carvalho o Inverno de Lisboa ao frio e à neve de Estocolmo, Copenhaga ou Berlim?
Comparará decerto as áreas planálticas de Lisboa às encostas a pique de várias cidades suíças, para não dizer alemãs, norueguesas ou suecas, com taxas notáveis de utilização da bicicleta?
Ou será a nortada estival de Lisboa ao verão escaldante de Sevilha?
O problema de Ruben de Carvalho foi o problema de Marcelo Rebelo de Sousa ou de Santana Lopes: preconceito e falta de informação, e ainda mais o primeiro que o segundo, o que é mais grave. O preconceito de que a bicicleta só serve ao pé do rio ao fim de semana, em calções; que a bicicleta só em ciclovias ou em trilhos em Monsanto e nunca "na Cidade". O preconceito de que Lisboa é toda aos altos e baixos. O preconceito de que nada se pode fazer intervencionado o espaço viário, retirando faixas de rodagem ou aumentando passeios. O preconceito de que "lá fora" é que sim, mas cá nunca.
Com o objectivo de defender os transportes públicos, que são realmente o centro para a solução da mobilidade, e todos o sabemos, usa-se mais uma vez o preconceito da bicicleta como arma de arremesso político (e não técnico) onde, fazendo confusões, generalizações apressadas e nalguns casos, claro, até insinuações.
Enfim, nada de novo a não ser caber no primeiro artigo pós-eleições!
Esperava-se mais, talvez.
Dá vontade de dizer: Lá fora sim, isto não pegava.
Fotografia retirada aqui.