A condenação de Domingos Névoa, como autor de um crime de corrupção activa, é um facto histórico, porque pela primeira vez um agente político entregou às autoridades o corruptor, obtendo dos tribunais o reconhecimento dos factos ocorridos.
Porém, a qualificação jurídica e a sanção aplicada são um mau exemplo para a sociedade e podem até funcionar como um novo estímulo à corrupção.
Tal como João Cravinho e Maria José Morgado, entendo que, a bem da luta contra a corrupção, deve acabar a distinção entre corrupção para acto lícito e para acto ilícito.
Contudo, no caso presente, entendo que os factos provados só podem permitir uma condenação por corrupção por acto ilícito, uma vez que está plenamente preenchido o requisito de que este crime depende: a promessa de uma vantagem patrimonial para a prática de acto ou omissão contrários aos deveres do cargo.
Basta ver os seguintes factos que o Tribunal – e bem – considerou provados:
a) Na data de 18 de Janeiro de 2006, o arguido Domingos Névoa, identificando-se apenas como Domingos, telefonou ao Dr. Ricardo Sá Fernandes, para o telefone do escritório deste último, pedindo-lhe para marcarem uma reunião, que deveria ocorrer fora das instalações do escritório, dizendo apenas ser a fim de tratarem de um assunto de interesse comum e que teria uma proposta a apresentar.
b) Mais disse – nos encontros realizados no Hotel Mundial – o arguido Domingos Névoa que pretendia que o Dr. José Sá Fernandes, na qualidade de Vereador, viesse dizer publicamente que, após ter tomado posse, tinha consultado e analisado os processos existentes na Câmara Municipal de Lisboa e que tinha concluído não haver qualquer ilegalidade por parte da actuação das sociedades representadas pelo arguido.
c) Quanto ao montante que estaria disposto a pagar, o arguido referiu a quantia de 200.000,00 € (duzentos mil euros), que teria que entregar ao Dr. Ricardo Sá Fernandes em várias tranches, dadas as dificuldades em obter um tal montante.
d) O arguido expressou que uma das hipóteses poderia passar por uma declaração, por parte do Dr. José Sá Fernandes, na reunião da Câmara Municipal, e com a remessa para o Tribunal de um requerimento de desistência da acção pendente.
e) O arguido Domingos Névoa afirmou ainda que tal declaração poderia ser feita em sede de Assembleia Municipal, mas o que lhe interessava é que fosse feita na presença de elementos da comunicação social.
f) Com efeito, visava o arguido, para além da desistência da acção, uma justificação pública que, por essa via, demonstrasse a legalidade do negócio e, por essa via, melhorar a imagem pública das sociedades “BRAGAPARQUES” e associadas, nas quais tinha participação.
g) O arguido Domingos Névoa explicou então ao Dr. Ricardo Sá Fernandes que a única oposição credível ao contrato de permuta e que poderia prejudicar o desenvolvimento dos projectos da Feira Popular era a que provinha do Dr. José Sá Fernandes, pelo que este deveria ficar em silêncio, em particular no que se pudesse referir ao direito de preferência reconhecido pela Câmara Municipal de Lisboa.
h) O arguido Domingos Névoa (...) sugeriu mesmo que a declaração abrangesse uma censura ao Dr. Jorge Sampaio por este se ter oposto à instalação de um casino no espaço do Parque Mayer.
i) O arguido Domingos Névoa propôs então fazer a entrega do numerário em qualquer outro ponto, sugerindo um escritório no Porto, um restaurante em Braga ou mesmo no parque de estacionamento subterrâneo do Martim Moniz, em Lisboa.
j) O arguido Domingos Névoa sabia que o Dr. José Sá Fernandes exercia um mandato electivo como vereador na Câmara Municipal de Lisboa, mas actuou no sentido exposto, sabendo que, dessa forma, condicionava o exercício das suas funções e a sua autonomia política, propondo-se realizar a favor do mesmo atribuições financeiras e patrimoniais para tal fim.
k) O arguido Domingos Névoa sabia ainda que, com a sua conduta, estaria a colocar em causa a confiança que os eleitores haviam depositado no Dr. José Sá Fernandes, ao proporcionarem a sua eleição como vereador, bem como a soberania e a autonomia das decisões que o mesmo viesse a tomar na qualidade de eleito municipal.
l) O arguido Domingos Névoa actuou livre e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Perante tais factos, e atendendo a que o primeiro dos deveres legais dos eleitos locais é o de actuarem de acordo com os princípios da justiça, da lealdade, da imparcialidade e da diligência, como é possível ter entendido que não me foram solicitados actos e omissões flagrantemente incompatíveis com os meus deveres de Vereador eleito pelo povo de Lisboa?
José Sá Fernandes
Artigo publicado hoje no jornal Público
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