segunda-feira, 14 de setembro de 2009

O fundamentalismo*


Por Duarte d´Araújo Mata,

Arquitecto paisagista


O fundamentalismo e a intolerância são, por norma, comportamentos e atitudes negativas e aplicam-se a diversos campos de acção, muito para além dos que, infelizmente, nos tivemos que ir habituando nos últimos anos e que hoje, a 11 de Setembro, todos nos lembramos.

Na política, há também fundamentalismos (geralmente diferentes, é certo) e aplicam-se em variados domínios e a diferentes níveis, e até em política autárquica.

Vejamos em Lisboa:

Podendo eventualmente não parecer à primeira vista, mas facilmente visível após uma curta análise, salta à vista de todos um dos temas fracturantes em cima da mesa nestas eleições autárquicas: a questão do automóvel e dos direitos dos automobilistas versus os direitos dos peões e a cidadania.

De um lado, a força liderada por António Costa que, pela primeira vez e de forma tão clara e vincada, situa os automóveis em mais um dos vectores que constitui o sistema de mobilidade de uma cidade, a par dos transportes públicos, peões e os ciclistas.

Do outro, a coligação liderada por Pedro Santana Lopes, que considera que o automóvel tem toda a prioridade perante os restantes meios de transporte. Trata-se do fundamentalismo do automóvel, pura e simplesmente! Ao contrário de tolerar o equilíbrio entre os diversos meios de transporte que, todos juntos e articulados, não só funcionam em prol de uma efectiva mobilidade, como contribuem, directamente, para a qualidade do nosso espaço público, bem como do ar que respiramos e para o "rasto" que deixamos ou não no Planeta com as nossas atitudes.

E esta é uma questão realmente decisiva no tabuleiro das decisões autárquicas nos próximos tempos. É positivo que estivesse em cima da mesa nestes dois anos de mandato em Lisboa, e é ainda mais positivo que agora possa ser um dos temas que marca as diferenças nesta campanha.

O eleitor precisa de saber que escolhe entre, de um lado, o fundamentalismo da coligação de Pedro Santana Lopes, que considera o automóvel um verdadeiro "rei das ruas", admitindo este que até possa haver outras alternativas, desde que não coloquem em causa o normal funcionamento do trânsito, transmitindo depois as ondas de choque desta política necessariamente para os campos do urbanismo, destinando ainda mais dinheiro a mais rodovias, mais asfalto, novos túneis, mais estacionamento, em detrimento de menos espaço público, menos espaços verdes e menos mobilidade; do outro lado, António Costa, que gerindo a cidade com automóveis (sim porque andar de automóvel na cidade é uma realidade e vai continuar a sê-lo, esperando-se que em muito menor número), não a gere para os automóveis.

Por isso, várias intervenções visaram distinguir o direito de aceder a uma área de automóvel (ex: Baixa) do direito de a atravessar, devassando-a. E é esta postura que permite libertar faixas de rodagem que sejam consideradas excedentárias e convertê-las em faixas BUS, em estacionamento, em espaços pedonais ou vias cicláveis, mantendo sempre a fluidez e a mobilidade.
É que o fundamentalismo viário não permite esta visão de integração. Este fundamentalismo tudo afoga numa visão capilar das ruas, tornando-as em tubagem de escoamento viário e deixando espaço extra para os peões, mas só se o houver disponível. É este fundamentalismo que exigiu a António Costa "repor" os passeios na largura que antes tinham (muito mais estreitos) na Baixa. É esta mesma atitude que leva um Presidente de Junta de Freguesia ser contra o projecto eminente de ter a Avenida Duque d´Ávila, na sua freguesia, com largos espaços pedonais, dizendo que ali "não há nada para ver. Querem andar, vão para ao pé do rio".

Com esta postura fundamentalista, ainda hoje se circulava na Rua Augusta de automóvel e o comércio haveria de estar a definhar por lá. Foi com esta postura fundamentalista que a Av. da República tem hoje 14 faixas de rodagem e passeios ínfimos e é com esta mesma postura que Pedro Santana Lopes pretende premiar esta artéria com mais um túnel rodoviário.

Também nisto é fundamental saber distinguir o que está em causa.


* este post foi escrito no dia 11 de Setembro, mas só hoje foi possível publicá-lo no blogue

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